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Artes Plásticas

RECILANDO, 1985


De como o homem simples fez a grande máquina complexa (de inferioridades)
 
VRUUUMM!
Explode a máquina e corisca no olho do menino Luisinho
o brilho aceso,  o pavio curto: a centelha de um longo caminho.
Á velocidade do cérebro (em primeira, segunda e terceira)
e no grande espaço de tempo gasto, maturado, craneado no gosto de concepção, nasce um campeão.
Negro, na obscuridade que carece a luz da iluminação.
Ouro, no brilho que simboliza a áurea, o louro, o estígma da conquista.
 
VRUUUMM!
Passa o bólido que ilumina a vista.
VRUUUMM!, passa a massa.
Argamassa bela, sólida... que do sonho descobre o véu, tênue lembrança de traços no papel, quimeras de um homem Luís, que faz crescer a imaginação do menino Luisinho.
Ser humano e Rato presos na mesma ratoeira do perseguido, do mágico, do lúdico e do construtivo.
Ambos de espírito combativo, conjugando-se no mesmo verbo passivo,
onde se faz imperativo descobrir da vida o sentido, no sonho ou fato acontecido.
 
VRUUUMM!
Passam o papel, a ideia, o trabalho, a resina, soltam-se no espaço metais, borracha, engrenagens e terembentina, djavans de lilás e gils de purpurina.
 
Abram-se os sete templos da sabedoria? Calam-se os profetas da teoria?
Mais que luz e cor, é alegria. Aqui se curvam sapiência e ciência, pois o improviso é a sequência, num caminho que tem compromisso com a consequência.
É o prazer pelo prazer. A orgia do fazer pra fazer, mesmo na tábua lisa, lisa de doer... (em noites frias),
Tudo em mente solta, onde a ordem é esquecer para (re)lembrar o que (re)fazer! E nascer o campeão em preto e ouro para o coro das vozes: é um estouro!
 
Uma história que não enche o ego.
(É verdade que alegra, não nego.) É apenas conjugação do material com o material, o pensado, o imortal, apoteose do mortal com imaginário,
binário de fé no homo complexus, herdeiro da história cavernosa de um  início sem nexus.
VRUUUMM, faz a máquina. Antes fez tic-tac na cabeça de um homem menino.
 
Primeiro nasceu o sonho, de pura imaginação
Aos poucos, delgada, se avolumou no papel.
Foi preciso pesquisar material, medir espessura de metal.
Ver potência de pilhas e resguardar virgindade de ideias, como se faz a filha.
Depois, o longo processo de busca, exame.
Cinco meses de provas e contra-provas, de pesos e medidas, de aprovações e decepções.
A juntada do material.
O processo inicial, epitelial, sentir no âmago as fímbrias da criatura.
Se dividir entre criado e criador, revolver a própria cultura.
Criar a revolução e a contra-revolução, buscar a contradição,
extrair, afinal, a criação. Ecce homo. Nasce a máquina!
 
Do liquidificador, rouba-se a ligação. E por que não, aproveitar da parker a pressão? Com cola, o papel adquire maior concisão.
Tesoura, faca olfa e cola prit exigem a primeira decisão: riscar, cortar, colar. Precisão na inserção. É o vale-tudo. E, se preciso, até coca-cola. Carambola!
 
Na cabeça ainda é grande a confusão: múltiplas imagens sobrepondo-se buscam solução, conclusão.
Que pode estar no isopor, na chapa de offset, no piso de cozinha ou numa simples tampa de caneta.
É tudo pensado é tudo acidental? Paradoxo da pesquisa! E o clips, é fundamental? Simplesmente a busca do inspirado.
Apenas o exercício do inesperado.
 
E pára, pensa e bebe.
Do vinho aproveita a embalagem. O rótulo descolado e amassado, pois também será aproveitado. Junta ao papel prateado, o chic francês couché,
que traz o elegante fabrianopra se misturar ao grosso paraná. Oh! Calcutá!
E tudo, no afã de chegar, se gruda com itacol, superbond e polar.
Se o sono vem, desperta uma nova ideia: pra se aglutinar a pregos, parafusos e anéis, aquela engrenagem do despertador que há muito parou de tocar.
 
Nesse processo primitivo, nessa história de artesão, não falta a cibernética, Incongruência? Os 360 graus da ciência?
É hora e vez de aproveitar embalagem e disquete de computador
para acoplar à caixa de filme kodak.
Seja com fita gomada, durex ou contact... e até fio de letraset
(o garoto pinta o sete!)
 
Se é verdade que "quem viver, verá? Nesse "causo" basta apenas imaginar
a habilidade dessas mãos, o desafio inteligente dessa mente que faz todo crente, descrente da veracidade do milagre que até abusa (e lambusa) da cola phenix, para do sonho mitológico fazer realmente acontecer o renascer da sucata em coisa nova, viva, espargita. Que revigora a crença sacrílega de o criado criar a criatura, ideia nebulosa para muitos, que aqui se torna transparente no uso do acetato ou mesmo da letratone.
 
É tempo de baterias, suportes, alfinetes. Faz-se o motor com ajuda de um velho toca-discos philips, agora rejuvenescido em nova função e agradecido, pois nasceu para a missão da servidão.
 
Foi até preciso estudar Física. Relembrar antiga lição (pra dizer que não falei de flores), saber de aerodinâmica, força, ponto-de-apoio, vetores. Apenas para citar um caso singular, na verdade sem revelar que tudo começou no simples exame de uma caixa quasar.
 
Nessa efervescência, nesse mundo que beira a demência, na busca que ao tudo-nada conduz, é claro, não pode faltar a luz.
E surgem as lâmpadas, as eveready - do pulo do gato - ou as amarelinhas
ray-o-vac, que recriam lanternas e faróis, com a força mágica de múltiplos sóis.
 
Sim, da China veio o nanquim para cobrir de negro o branco-marfim.
Agora parece ter fim o longo processo de agonia da criação.
Um capricho a mais: encerar, lustrar e brilhar com a cera grand-prix.
Enxugar agora o suor do rosto. Afastar, finalmente, a lágrima de satisfação,
que brota não dos olhos, mas do coração. Experimentar - ao ver verdade, não se chegou ao fim: é real a fantasia, se é sonho imaginar como Lennon.
 
VRUUUMM!
Explode a máquina.
É melodia que encanta a vida, é a canção do artesão, que já inicia novo caminho.
 
VRUUUM!
Explode a máquina. E corisca no olho do menino Luisinho.
 
Maio, 1984
Fernando Cardoso, jornalista

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